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Bloqueio de Telegram revela perseguição judicial a conservadores no Brasil

Decisão do ministro do STF aconteceu na quinta-feira (17)

A determinação monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, de suspender a atividade do aplicativo Telegram no Brasil por provedores de internet e outras plataformas, atende a uma solicitação feita pela Polícia Federal, segundo divulgado pelo próprio ministro no despacho lavrado na quinta-feira (17/03). A afirmação foi desmentida pelo presidente Jair Bolsonaro ainda na sexta-feira (18). A informação desse desmentido foi divulgada pelo jornalista Augusto Nunes, durante o programa “Os Pingos nos Is”, na TV Jovem Pan, ao relatar conversa que teve com Bolsonaro ao telefone, quando o chefe de governo destacou que a decisão é da exclusiva responsabilidade do ministro.

Multa — Na decisão, o ministro estabelece que o não cumprimento da decisão acarrete ao infrator multa diária de R$ 100 mil. É especificado que Google e Apple devem retirar o Telegram de suas lojas digitais nas quais o aplicativo pode ser baixado. A decisão mereceu uma nota oficial do fundador do aplicativo, Pavel Durov, na qual afirma que não tinha cumprido as ordens anteriores porque o STF teria mandado o e-mail com as determinações para um endereço errado. “Parece que tivemos um problema com e-mails entre nossos endereços corporativos no telegram.org e o Supremo Tribunal brasileiro. Como resultado dessa falha de comunicação, o Tribunal decidiu bloquear o Telegram por não estar respondendo”, declarou o empresário.

Decisões semelhantes — Na decisão, Alexandre de Moraes faz referências a alegações atribuídas à PF de que o Telegram seria “notoriamente” resistente a “colaborar” com autoridades de diversos países”. No entanto, o ministro não esclarece que os países que dotaram medidas idênticas contra o Telegram são ditaduras ou regimes autocráticos como os do Azerbaijão, Bahrein, Belarus, China, Cuba, Hong Kong, Indonésia, Irã, Paquistão e Rússia, que depois recuou da perseguição.

Recurso — A AGU (Advocacia Geral da União) já recorreu da decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). O documento de recurso é assinado pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco e é endereçado à ministra Rosa Weber. Bianco argumenta que o Marco Civil da Internet, usado por Moraes para justificar a decisão, garante a suspensão de aplicativos de mensagens somente caso seja comprovada a violação do direito à proteção de registros, de dados pessoais e de comunicações privadas. “Todavia, referidos dispositivos legais apontados não respaldam a conclusão tomada” pelo STF, disse o AGU.

Perseguição — Desde que o ex-presidente norte-americano Donald Trump foi banido das principais plataformas de redes sociais em janeiro do ano passado, parte dos usuários de redes sociais e produtores de conteúdo alinhados à direita em todo o mundo passaram a buscar alternativas para continuar publicando conteúdos opinativos sem interferência das plataformas. No Brasil, foram muitos os casos de bloqueio de contas de influenciadores de direita e de exclusão de publicações sobre temas importantes ao conservadorismo e ao liberalismo. O resultado foi uma adesão maior a redes sociais e plataformas de troca de mensagens que apostam as suas fichas na liberdade de expressão. Telegram e Gettr foram algumas das alternativas buscadas por esse público ao longo de 2021; o Telegram, no entanto, foi a plataforma que mais se destacou.

Para evitar o bloqueio ou revertê-lo, em caso de o aplicativo de fato parar de funcionar no Brasil, Moraes ordenou que o Telegram cumprisse 10 decisões do Supremo proferidas de agosto de 2021 a 8 de março deste ano. Quase todas fazem referência a jornalistas e grupos de apoiadores do atual governo brasileiro ou simplesmente defensores das ideias e valores classificados como “de direita”. As principais medidas que ainda precisam ser cumpridas são: “indicar um representante oficial no Brasil; Bloquear o canal @claudiolessajornalista; excluir publicação do presidente Jair Bolsonaro que coloca em dúvida a segurança das urnas; dizer quais providências estão sendo tomadas para combater a desinformação e a divulgação de notícias falsas”. Os canais ligados ao jornalista Allan dos Santos, que atualmente mora nos Estados Unidos, já não estão mais visíveis no aplicativo.

Histórico — O Telegram é o aplicativo móvel que teve maior crescimento em 2021, de acordo com o levantamento do Top Breakout Chart deste ano da Appannie. O número de usuários ativos no aplicativo foi o que mais aumentou no mundo. O levantamento feito em fevereiro aponta que o aplicativo já está presente em 60% dos smartphones brasileiros.

O alvo — A decisão tem como alvo o jornalista Allan dos Santos, sócio proprietário do Canal “Terça Livre”, que está impedido judicialmente de trabalhar no Brasil devido ao bloqueio de contas e desmonetização das publicações já realizadas (atualmente bloqueadas). O jornalista teve a prisão preventiva decretada em território nacional e houve até o pedido do ministro Alexandre de Moraes para que o nome de Allan dos Santos fosse inscrito na lista de procurados da Interpol. No entanto o pedido foi ignorado pelas autoridades internacionais porque a acusação imputada ao profissional da imprensa é de “crime de opinião”, inexistente na legislação brasileira e também na norte-americana. Também é alvo da decisão o chefe do executivo nacional, o presidente Jair Bolsonaro. A decisão de Moraes visa retirar a publicação do presidente em que é citado o inquérito que investiga a invasão do sistema de informática do TSE por um hacker, antes das eleições de 2018. O pesquisador do Instituto de Liberdade Digital (ILD) Marco Antonio Sabino, avalia que a decisão extrapola os fatos citados. “Ela é geral sobre o uso do Telegram, mirando em algo mais amplo, como as eleições, que já se espera serem uma guerra digital”, avaliou o especialista.

Drible — A decisão de bloqueio do aplicativo no Brasil gerou uma “contramedida” por parte dos grupos que se sentiram prejudicados. A mensagem “COMPARTILHE COM TODOS QUE USAM O TELEGRAM: Manual anti-censura para o Telegram em smartphones” tinha sido visualizada por 7,5 mil pessoas em cinco minutos, às 15h53 da sexta-feira(18). As dicas abrangem diferentes cenários como, por exemplo, se o bloqueio levar a uma remoção do Telegram da Play Store, se houver manipulação da DNS (Domain Name System, ou Sistema de nome de domínio) ou se os endereços de IP dos servidores do Telegram forem banidos. Alguns usuários defenderam a migração para um outro aplicativo de mensagens, o Discord, que é muito usado por gamers e defensores da privacidade dos usuários. Às 16h da sexta-feira, a busca pelo termo “VPN” no Google havia disparado no Brasil, segundo o Google Trends, ferramenta de monitoramento de pesquisas no site.

Protestos — A decisão do ministro do STF gerou reações enérgicas de juristas e parlamentares. Vários foram às redes sociais na sexta-feira (18) para se posicionarem contra o bloqueio do Telegram no Brasil e criticar a decisão de Alexandre de Moraes. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) disse que o aplicativo de mensagens era “a única ferramenta na qual temos liberdade de expressão”.Sequer conto com imunidade parlamentar para que minhas palavras alcancem a profundidade da minha revolta”, escreveu no Twitter. A deputada federal Bia Kicis (União Brasil-DF) ressaltou que a decisão vai prejudicar usuários que utilizam a plataforma para fazer comércio. “O Brasil é um país inseguro para investir e viver”, afirmou. O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) também se manifestou e classificou a suspensão do Telegram como censura. “Depois de inquéritos inconstitucionais, prisões ilegais e agora censura a mídias sociais. O Brasil já é oficialmente uma ditadura judicial!”, postou.

Apoio — Se a intenção da medida era também reduzir o apoio do presidente brasileiro nas redes sociais, o efeito foi reverso. Na tarde da última sexta-feira (18), quando a decisão de Moraes se tornou pública, o número de seguidores do presidente na plataforma cresceu em quase 60 mil usuários. De 1,085 milhão de seguidores registrados na página até a tarde daquele dia, o líder passou a ter, até a manhã deste domingo (20), 1,144 milhão de usuários.
O acréscimo de 59 mil novos seguidores na página de Bolsonaro é maior que a quantidade de usuários na conta de seu principal concorrente nas eleições presidenciais, o ex-presidente Lula (PT), que possui apenas 50 mil seguidores. O número é ainda três vezes maior que o de usuários que seguem a página de Ciro Gomes (PDT), que tem 19 mil.

Casos históricos de Censura — Em 213 a.C., o Imperador chinês Shi Huang Di, ao assumir o poder, resolveu queimar todos os livros publicados até então, sobre o argumento de que queria que a história começasse a partir dele. Foi uma das maiores queimas de livros da história. Durante o Período Colonial no Brasil a coroa portuguesa tinha uma lista de obras que não podiam circular em seus territórios, incluindo suas colônias. Obras de teor iluminista ou que criticassem a Igreja Católica ou o Absolutismo eram as principais vítimas. Na chamada “Era Vargas” existem relatos de que sua administração censurava livros, apreendia-os e aprisionava escritores. Não à toa, em meados de 1940, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que era encarregado do aparato de censura e da propaganda oficial do governo. Confira: Era Vargas! Já Augusto Pinochet, ditador chileno, defendia que livros como “Dom Quixote” deveriam ser “retirados das prateleiras”, sob o argumento de que era uma obra que estimulava o pensamento, a rebeldia. E o Regime Militar no Brasil aconteceu a promulgação do AI-5, que determinou que toda e qualquer forma de comunicação deveria ter seu conteúdo previamente aprovado e sujeito à inspeção por agentes da administração. Obviamente, muitos materiais foram censurados. Algumas publicações impressas simplesmente deixavam trechos inteiros em branco ou, em casos relatados, com receitas culinárias, por exemplo.

Na Constituição Brasileira — Como se pode observar, a utilização do instrumento de censura é característica de regimes autoritários. Em regimes democráticos, por outro lado, a liberdade de expressão, pensamento e manifestação são pilares essenciais. É por essa razão que a Constituição Federal de 1988, que marca a redemocratização do país, garante a liberdade de expressão e condena a censura, como veremos a seguir.

Art. 5°, IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

Art. 5°, IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 5°, XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a. informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

1° – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV;

2° – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

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